Quem teve a possibilidade de estar presente no último Fórum realizado na ELT dia 04 de julho, que tinha como tema A diversidade na formação do ator, pode conferir uma discussão que correu paralelamente, que era sobre a questão da escola não ser muito reconhecida no seu entorno, até chegarmos ao ponto de qual tinha sido a idéia inicial de formatação da escola na cidade.
Este texto abaixo é do Livro "Os caminhos da criação - Escola Livre de teatro, 10 anos", e acredito que ele nos ajuda a entender um pouco melhor quais foram os critérios e os desejos daqueles pioneiros que plantaram a semente da ELT, que neste ano completa suas 17 luas. Acredito ser uma leitura ríquíssima, simples e direta, e também importantíssima para saber de onde viemos e por que estamos aqui. E instigo a todos a comentarem seja aqui, seja na comunidade da ELT sobre as impressões dos textos. Abraços!
Marcio Castro
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Sob o Signo da Liberdade
O nome Escola Livre de Teatro já estava escolhido antes mesmo que o projeto estivesse estruturado no papel. Constava do programa político do então candidato a prefeito Celso Daniel e provinha de uma idéia do diretor de cultura, Celso Frateschi, segundo a qual a meta deveria ser "o embasamento, algo que permitisse passar para a comunidade os instrumentos necessários para se fazer teatro”. Neste sentido, a palavra "livre" parecia o elo essencial que uniria dois conceitos tão complexos e muitas vezes de difícil conjunção: o de escola (a práxis do ensino) e teatro (uma práxis da arte).
A opção por uma escola de teatro atendia a uma reivindicação dos núcleos de artistas da região, ao mesmo tempo ia ao encontro da forte tradição que a cidade possui na área desde fins da década de sessenta. Em Santo André surgiram grandes nomes do teatro nacional, muitos diretores passaram por aqui e um grupo de solidez e renome marcou época na década de setenta, o GTC.
A experiência do Grupo de Teatro da Cidade, além da importância política de suas posições, deu frutos de qualidade artística, cujo maior exemplo é o espetáculo Guerra do Cansa-cavalo, que inaugurava em 1971 o Teatro Municipal e viria a ser assistido por quase vinte e três mil pessoas. Até hoje, alguns de seus membros, como Antônio Petrin e Sônia Guedes atuam na vida artística brasileira. Curiosamente, o GTC nasceu da reunião de atores recém-formados pela Escola de Arte Dramática.
Já era o momento da tradição ser retomada. A idéia de uma escola ganhava concretude na medida em que isso representava não um produto artístico acabado, mas o potencial para a realização de uma produção cultural independente. Um pouco de acordo com a velha sentença: "não dê o peixe, ensine a pescar".
Na primeira semana de maio de 1990 os jornais da cidade anunciavam: "Santo André cria escola de teatro". A notícia havia sido dada durante a apresentação da peça Quase Primeiro de Abril, em cujo processo de criação se reuniram mais de duzentas pessoas discutindo teatro por três meses.
A sorte estava lançada. Para estruturar e dirigir o empreendimento foi convidada a pesquisadora e diretora teatral Maria Thais Lima Santos, que em pouco tempo e intensa atividade, formulou a proposta da Escola livre de Teatro.
O Projeto Piloto
No texto do "Projeto Piloto" constavam apenas alguns dos princípios que deveriam nortear a futura escola. Nada de organogramas detalhados ou conteúdos programáticos de cursos. Na introdução podia-se ler: "Necessitamos criar novas opções de centros facilitadores, onde as pessoas interessadas na pesquisa de linguagem teatral disponham de um espaço onde o oficio possa ser estudado e aprofundado".
Basicamente, são duas as espécies de escolas teatrais encontráveis no Brasil: ou adotam o modelo acadêmico clássico, que equilibra formação teórica e prática segundo uma perspectiva mais histórica do que estética e mais passiva que ativa, onde os professores muito frequentemente não mais exercem atividades artísticas, ou visam apenas fornecer certificados profissionais e fabricar atores descartáveis, conquistados com a ilusão do trabalho na televisão.
O intuito básico da proposta da Escola livre era conseguir a mobilidade de uma oficina cultural sem perder de vista a perspectiva formacional do aluno. Cuidar de seu crescimento artístico e instrumentalizá-lo em termos de conhecimento teatral sem amarrá-lo a obrigações curriculares pré-fixadas.
A palavra "livre" do nome era novamente invocada. A escola é em primeiro lugar um espaço de formação do individuo. A dimensão humana deve anteceder a dimensão profissional. Para isso tornar-se realidade, foi preciso desvincular-se das exigências curriculares do Ministério da Educação e Cultura e desobrigar-se de conferir diplomas profissionais. A ELT afastava-se cada vez mais dos padrões normais de ensino teatral e se lançava na busca da experimentação.
Grupo Yaksharange (índia)II Mostra Internacional de Teatro -Julho de 1990
Coleção PMSA / Acervo Museu de Santo André
Foto: David Rego Jr.
A Decolagem
O termo livre define o projeto da escola no sentido de uma concepção aberta, antenada com a produção teatral no Brasil e no mundo e de poder vir a ser um centro de pesquisa, incentivador do processo de experimentação artística.
Concebidos os princípios, era preciso colocá-los em movimento. Na realidade, a Escola livre era o eixo central de um projeto teatral mais amplo da Prefeitura, que incluía a revitalização do Teatro Municipal, a ocupação dos centros comunitários com o teatro, o incentivo às produções regionais e a realização das Mostras Internacionais.
Dado este quadro, era o momento de lançar a Escola. Ante a pergunta de como fazê-lo, a resposta parecia inequívoca. A Mostra Internacional seria uma forma de testar a receptividade da população à linguagem teatral.
E assim foi. O lançamento oficial da ELT deu-se com a Primeira Mostra Internacional de Teatro de Santo André e São Bernardo do Campo, realizada entre 28 de junho e 08 de julho de 1990. Dela participaram grupos de Cuba, Estados Unidos, Índia, Rússia, Espanha, Canadá e Brasil.
Santo André entrava no circuito cultural do país e "antenava-se" com a produção teatral do mundo. O sucesso foi estrondoso. Pessoas vinham de São Paulo e outras cidades para disputar um ingresso nas grandes filas que se formavam frente à bilheteria. Durante treze dias, mais de dez mil pessoas lotaram o Teatro Municipal.
Como parte do evento, quatro dos grupos convidados promoveram workshops e paralelamente foi ministrada uma oficina de interpretação com a professora e diretora Maria Helena topes, do Grupo Tear de Porto Alegre. A ELT nascia num contexto de agitação criativa e efervescência cultural.
No dia 27 de julho de 1990, abriam-se as inscrições para uma turma de Vinte e cinco alunos. A ELT oferecia seu primeiro curso regular. Apareceram cento e noventa candidatos, oitenta por cento dos quais eram moradores de Santo André.